“Muitos acham que por eu ser instrutora de ioga estou sempre zen, que não tenho mais ansiedade”, diz a comunicadora Michelle Palermi, 30. Diagnosticada com o transtorno há cinco anos, ela conseguiu controlar seu quadro com a prática de exercícios e de escrita, mas ainda sente que a chegada de dezembro pode ser um gatilho para ela.
“Eu, particularmente, me sinto ansiosa para encerrar o ano bem, para tudo sair como o planejado e para conseguir concluir as metas que coloquei durante o ano”, avalia. Essa sensação estranha que a instrutora percebe é o que os especialistas costumam chamar de “síndrome do fim de ano”, conjunto sintomático que pode se manifestar como angústia, estresse ou melancolia excessivos nesta época.
Embora não conste na Classificação Internacional de Doenças (CID) dentro do quadro de transtornos mentais, é admitido na psiquiatria e na psicologia para descrever e orientar sobre as queixas levadas a consultório pelos pacientes neste período do ano.
Diversos fatores podem desencadear o problema, como perceber metas que ainda não foram batidas, aumento dos gastos e até a proximidade de compromissos familiares e festas.
“A síndrome do fim de ano não é um diagnóstico reconhecido oficialmente, mas é um termo usado para descrever um conjunto de sintomas relacionados à ansiedade e ao estresse que algumas pessoas experimentam durante o período de fim de ano. Esses sintomas podem incluir irritabilidade, insônia, preocupação excessiva, dificuldade de concentração, alterações no apetite, entre outros”, diz a psicóloga Claudia Melo, especialista em crianças, adolescentes e vícios.
Melo afirma que sentir medo, dor e preocupação constantes não é normal e que quando os sintomas passam a interferir significativamente na qualidade de vida da pessoa afetada, é preciso buscar ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra.
Roberta França, médica geriatra e psiquiatra, é membro da Comissão de Direito da Pessoa Idosa (OAB/RJ), da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e da Sociedade Brasileira de Neuropsiquiatria Geriátrica, e diz o problema pode afetar sobretudo os idosos.
“A síndrome do fim de ano é reconhecida pela psiquiatria e muito comum nos consultórios de geriatria. Ela se caracteriza por uma sensação de ansiedade, angústia e tristeza com as festas de final de ano, tanto Natal quanto Ano Novo”, diz a psiquiatra.
França destaca que existe nesta época uma pressão social muito grande para que as pessoas estejam felizes, mas que em demasia isso pode ser ruim. “Até porque a construção do afeto tem que se dar ao longo do processo. Então muitas famílias estão com brigas, com uma série de dificuldades, de perdas, e aí, de repente, porque virou a chavinha de dezembro, todo mundo tem que esquecer tudo, passar a se dar bem, é difícil mesmo”, pondera.
A falta de diálogo sobre saúde mental é outro problema. “Muitas vezes as pessoas deixam de pedir ajuda por acharem que de alguma forma estão incomodando e incondizentes com o momento”, afirma a médica.
Larissa Fonseca, terapeuta clínica e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) e da Associação Brasileira de Sono (ABS), diz que nesses casos é preciso avaliar o que existe de sofrimento e o quanto disso é relativo à chegada do fim do ano.
“Para cada pessoa, a angústia pode estar relacionada a um sentimento diferente. Tem pessoas que podem estar sofrendo em decorrência de terem que confraternizar e se encontrar com outras pessoas. Outras perderam muitos entes queridos e o Natal remete a essas recordações. Também pode estar relacionado à sensação de incapacidade de atingir alguns objetivos”, pontua.
Fonseca acrescenta que muitas dessas dores precisam ser trabalhadas em psicoterapia para serem superadas. No caso de quem já tem transtornos mentais, podem ocorrer crises pelo agravamento dos problemas de saúde mental.
“Os sintomas podem ser mudanças comportamentais e também podem aparecer na dificuldade de concentração, problemas com a memória. Quadros de ansiedade podem ter manifestações físicas como dores de cabeça, palpitação, alergia na pele e acabam interferindo no dia a dia da pessoa”, ressalta Fonseca.
A ansiedade crônica ou generalizada influencia ainda na qualidade do sono e na questão alimentar, levando a pessoa a comer demais ou de menos (ou a reduzir a qualidade dos alimentos), o que atrapalha na distribuição de energia física e mental do organismo. “A gente pode ter riscos em relação a comportamentos prejudiciais como abuso de substâncias como álcool e drogas, quando se tenta lidar com essa angústia emocional de uma maneira negativa, cometendo excessos”, diz Fonseca.
Ignorar o problema resolve menos ainda e pode provocar comorbidades fisiológicas como distúrbios gastrointestinais, cardíacos (incluindo risco de infarto) e piora do sistema imune.
Para lidar com tanta pressão, além de terapia, a orientação é buscar válvulas de escape. “A ansiedade não desaparece, mas aprendemos a lidar com ela. O ioga me traz consciência sobre o que estou sentindo. Um dos exercícios que mais me ajuda é o de respiração”, conta a instrutora Palermi.
Melo lembra que exercícios físicos regulares, como caminhadas, corridas ou qualquer outra atividade que traga prazer, podem ajudar a liberar endorfinas e reduzir os níveis de estresse. “O lazer também é importante, reservar tempo para atividades relaxantes como dançar, ouvir música, nadar”, diz Melo
Fonseca sugere fazer listas e colocar as ideias no papel. “E conseguir ser o mais realista possível. Porque muitas vezes a gente coloca: ‘vou fazer atividade física todos os dias’ e não é uma possibilidade real. E se listarmos as coisas boas e positivas que passamos e que podemos manter ao longo das semanas do ano?”, indica.
França reforça que uma rede de apoio para conversar, fazer boas leituras, andar ao livre, longe de centros de compra, ajudam também a lidar com os sentimentos, que não devem nunca ser minimizados. “Ninguém é obrigado a estar sempre feliz o tempo todo ou de acordo com a época do ano.”
Por FOLHAPRESS